quinta-feira, 14 de maio de 2009

Deixar de fumar pode ser uma influência positiva

Isaac Ribeiro - Repórter

Da mesma forma que os primeiros e fortuitos tragos são dados na adolescência, na maioria das vezes, sob a influência de amigos ou familiares fumantes, numa atitude quase ingênua de copiar os mais velhos e no afã de querer ser adulto — e daí ao vício futuro —, o abandono do cigarro também pode seguir o mesmo percurso: espelhar-se em entes queridos que conseguiram se livrar do domínio e do jugo da nicotina.

É o que mostra um estudo realizado por pesquisadores das universidades de Harvard e da Califórnia, nos Estados Unidos, e publicado recentemente no New England Journal of Medicine, uma das mais respeitadas publicações científicas.

Para se ter uma noção da seriedade do estudo, o levantamento acompanhou, durante 32 anos, os hábitos de 12.067 pessoas que tinham ligações familiares, profissionais ou de amizades com fumantes.

A influência maior para largar o cigarro foi detectada entre marido e mulher. Quando um deles decide se livrar do tabagismo as chances do outro continuar fumando caem para 67%. Entre amigos, as chances caem para 43%. E entre irmãos, diminui ainda mais: 25%. A pesquisa também analisou as relações profissionais, englobando aí o tamanho das empresas. Nas pequenas, se um funcionário parar de fumar reduz em até 34% as chances de um outro continuar fumando. A relação, porém, não vale para as grandes.

Está provado: quando uma pessoa deixa de fumar, termina por influenciar pessoas próximas, numa espécie de efeito dominó. O fenômeno foi denominado pelos autores da pesquisa como “segunda onda” — inspirado na reação que uma pedra causa quando atirada na água; as ondas parte de um pequeno ponto e se propagam para uma área bem maior.

Quanto mais próximo for o ex-fumante, maior a influência. É a chamada “inveja saudável”. Você percebe que seu irmão, esposa, marido, namorada ou amigo do peito largou o cigarro e está tendo uma vida bem melhor sem cigarro e se inspira a seguir o mesmo caminho.

O estudo também detectou a marginalização dos fumantes. De 1971, quando o levantamento foi iniciado, até 2000, último ano de avaliações, foi constatado que quem fuma passou a ser empurrado para a periferia das redes sociais. Quanto mais pessoas largam o tabagismo, mais a sociedade se torna hostil ao fumo. Vários países já proibiram o cigarro até mesmo em locais públicos.

Influenciando os amigos

A fumaça do cigarro possui aproximadamente 4.720 substâncias tóxicas — sendo a nicotina e o alcatrão as mais conhecidas — além de substâncias radioativas; polônio 210 e cádmio, entre elas. O resultado disso no organismo são doenças pulmonares e câncer. No Brasil, são 200 mil mortes por ano causadas pelo tabagismo. Largar o vício do cigarro é tarefa difícil, pois as substâncias tóxicas citadas acima criam dependência física e psicológica. Apenas 5% dos fumantes conseguem largar o vício sozinhas, sem auxílio de remédios. Mas existem os que conseguem esse feito e ainda influencia outras pessoas, confirmando o que diz o estudo.

O médico Maurício Lisboa Nobre diz que parar de fumar foi uma decisão pessoal e que, por sempre ter tido tendência para líder de turmas, acabou influenciando a maioria de seus amigos a também parar de fumar. Há dez anos ele não coloca um cigarro na boca. Depois que abandonou o vício, os outros lhe seguiram. Um deles foi o seu próprio irmão, o arquiteto e professor universitário Paulo Nobre, que, apesar de algumas recaídas, há um ano não fuma.

“Maurício me influenciou bastante! Na verdade, todos os amigos do meu círculo de amizades pararam de fumar; pouquíssimos ainda continuam. É uma coisa social mesmo; mudanças de paradigmas sociais, acredito. Há uma cobrança muito grande. Os meus sobrinhos, por exemplo, não aceitavam de jeito nenhum que eu fumasse”, diz Paulo.

Hoje, os dois contabilizam os benefícios que a vida sem tabaco proporciona ao organismo. Maurício conta que sua capacidade respiratória melhorou sensivelmente, tanto que hoje ele corre durante uma hora, sem cansaço — coisa que não conseguia quando fumante. “Nem tinha vontade...”O médico afirma que deixar o fumo facilitou também suas relações com não fumantes. “As pessoas entravam na minha casa e sentiam um cheiro forte de cigarro, que eu não percebia. Melhorou também no trabalho, pois antes parava tudo o que estava fazendo para ir fumar. Se estava escrevendo um relatório, parava para ir à área de fumantes. Além disso, também tomava muito café”, avalia Maurício.

Paulo, seu irmão, também diz ter recuperado o fôlego e adquirido mais disposição. Deixar de fumar fez com que melhorasse sua performance como professor, principalmente na hora de se comunicar com a turma. “Forçava muito ao ponto de perder a voz. Tinha que fazer muitas pausas”, diz ele, que durante o período de um ano sem fumar viu desaparecer o pigarro constante e o cansaço da voz.

Paulo Roberto Albuquerque: “O tabagismo está caindo”

O pneumologista Paulo Roberto Albuquerque considera interessante e digno de toda a credibilidade o trabalho realizado por pesquisadores das universidades de Harvard e da Califórnia. Aval ainda maior é dado pelo especialista pelo fato de o estudo ter sido publicado no New England Journal of Medicine. “É a mais conceituada revista de Medicina do mundo, e só publica artigos de peso científico. É uma revista séria e sem tendências mercadológicas.” Confira trechos da entrevista concedida ao TN Família.

TRIBUNA DO NORTE – É realmente mais fácil parar de fumar sob influência de amigos e parentes?
PAULO ROBERTO ALBUQUERQUE - Há uma tendência à queda do tabagismo quando existe uma comunhão, um trabalho em grupo, em conjunto — é o chamado efeito dominó, quando um vai influenciando o seu vizinho. E quanto mais próximas as pessoas, quanto mais queridas e importantes para você, maior a chance de você parar de fumar. Principalmente se for pai, mãe, marido, mulher e filho. Teoricamente, essas são as pessoas mais importantes para a pessoa. É o que a gente chama também “efeito da segunda onda”, como uma pedrinha na água que vai propagando ondas e vão abrangendo uma área muito maior. As pessoas vão vendo que outros são capazes de fazer o que elas gostariam; no caso, parar de fumar. Os grupos que se comprometem com um determinado objetivo geralmente têm êxito. O obstáculo fica mais fácil de transpor quando você tem, aliados. E no abandono do tabagismo também é assim: se meu amigo deixou, se meu pai deixou, se meu irmão deixou, eu também posso deixar.

TN – A Europa tem intensificado a proibição de cigarro, inclusive em locais públicos. Eles estão conseguindo bons resultados?
PRA - O tabagismo está caindo nos países desenvolvidos. As pessoas mais esclarecidas, mais escolarizadas, deixam de fumar mais fácil do que as pessoas dos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, que são pouco escolarizadas. Essas pessoas estão mais conscientes e levam a sério as campanhas, principalmente do tabagismo passivo. Elas sabem que fumar não faz mal só a si, mas também a quem está do meu lado. Essa conscientização coletiva multiplica o resultado. Quanto maior o nível intelectual e a escolaridade é maior a chance de deixar o tabagismo. O grau de cultura da população ajuda no processo de abandono do tabagismo.

TN – O chamado “efeito dominó” teria resultado mais eficiente que as campanhas oficiais?
PRA - A campanha é importante para conscientizar a população sobre os malefícios. Agora, é aquela coisa: você tem que fazer campanha e vigiar. Um exemplo clássico é o do álcool e direção... Se fiscalizar ou se passar a não só fazer a campanha, mas atuar de preventivamente, proibitivamente, os fumantes vão ficando marginalizados. Podem argumentar: mas o fumante tem direitos! Sim, mas você não vai prejudicar os outros. Então você vai diminuir. As pessoas mais escolarizadas vão entender isso melhor. Teoricamente, a campanha é importante. Mas mais importante é também ter uma forma de atuar de forma severa e até de punir aquele que transgredir.

TN - Presenciar os pais, irmãos, amigos pararem de fumar não causa um efeito maior do que ver uma foto com mensagens numa carteira de cigarro?
PRA - Eu só acredito numa coisa: educação. Se você não bloquear isso na fonte, não adianta. Fazer um indivíduo de 50, 60 anos parar de fumar, quando ele já está totalmente dependente de nicotina, é muito difícil. O efeito não é a curto prazo. Não espere que os índices de prevalência do tabagismo no Brasil caiam em um ano. Mas não cai mesmo! A campanha que se faz hoje só vai ter repercussão daqui a 10, 15, 20. E como se faz isso? Educando. Evitando que os jovens se iniciam no tabagismo. Jamais deixaria de fazer uma campanha anti-tabagismo, anti-álcool, anti-droga, anti-pedofilia, anti-corrupção. Mas isso não tem resultado imediato. É a longo prazo. Já existe trabalhos mostrando que quando você educa a população, quando faz uma campanha séria e atua preventivamente e ininterruptamente, você tem melhores resultados.

TN - Em quanto tempo o organismo consegue se livrar quimicamente do cigarro?
PRA - O grupo escolarizado vê que as pessoas deixam de fumar e se entusiasma porque deixar de fumar sozinho é penoso, difícil, sofrido. Apenas 5% da população consegue deixar de fumar espontaneamente. É uma dependência química, é uma doença contagiosa, uma pandemia, reconhecida pela Organização Mundial de Saúde. Deixar de fumar espontaneamente é difícil porque existem mecanismos de dependência química e psíquica; a chamada síndrome de abstinência. Hoje a gente dispõe de “drogas”, algumas sintéticas como a vareniclina, bupropiona e até mesmo a nicotina transdérmica, que são as mais usadas. A vareniclina, que é o Champix, é a melhor, Mas nenhuma é 100%, porque se exige quer o indivíduo também se comprometa que haja uma mudança em seu comportamento. Então, também tem que haver uma abordagem cognitiva-comportamental. Esse tratamento dura em torno de três meses e a taxa de sucesso é variável entre 20 a 70%, dependendo da droga usada, de cada grupo, da abordagem que se faz, da disciplina. O indivíduo só é considerado mesmo livre do tabaco depois de um ano. Se conseguir ficar um ano sem cigarro, ele é considerado ex-tabagista.

TN - Mas com um ano o organismo já está limpo?
PRA - Depende do que aconteceu pra trás. Fazemos uma avaliação do histórico da pessoa. Já atendi paciente de 80 anos que disse: “Mas doutor eu parei de fumar há vinte anos!” Só que ele fumou dos 15 aos 50 anos. Então, ele fumou durante 35 anos, duas carteiras por dia. Aí, o malefício que o cigarro fez é irreversível.

Fonte: Tribuna do Norte